Os frades ficaram revoltados, e
eu às 5h30 fui para a casa de meus pais dar essa notícia. Mamãe, que estava
tirando do forno o último pedaço de leitoa assada para a festa que se seguiria
à ordenação, me respondeu: Deus sabe o que faz! Fiquei por ali, transmitindo a
notícia aos irmãos e parentes, de que não seria ordenado naquele dia.
Os frades silenciaram, nada
informando pelo auto-falante à população da cidade, fundamentados no fato de
que se culpassem o Bispo, o povo se voltaria contra ele.
Na hora prevista, 10
horas da manhã, a população com roupas festivas lotou a Igreja Matriz N. S. dos
Anjos para a cerimônia. Todo mundo assistiu a missa do
bispo sem entender nada, já que não houve a ordenação prevista. Uns comentavam
que o candidato a padre desistira; outros diziam que ele não teria sido aceito
pelo Bispo. Ao meio-dia os padres me levaram para o salão nobre do Ginásio Pio
XII para o banquete festivo sob o argumento de que a festa não teria como ser
cancelada.
Jovens da sociedade
itambacuriense vestidas como garçonetes serviam as mesas; a banda de música
tocava marchinhas; e o Dr. José Transfiguração Figueiredo teve de improvisar,
no discurso que preparara previamente, dizendo que naquele dia eu estava sendo
"eleito", e na semana seguinte seria “empossado”.
Frei Sixto, com crise de choro,
foi levado para passear em Teófilo Otoni; eu, aplaudido, fui para a casa de
meus pais participar da recepção do povo em festa, comendo e bebendo. Assim
terminou o dia da ordenação que não aconteceu!
No dia seguinte, no avião Douglas,
de 36 passageiros, da Lóide Aéreo Nacional, viajei com Frei Sixto para o Rio,
para ser ordenado padre. Lá chegando, nova dificuldade!
No
sábado dia 18, às 10 horas,
no altar-mor, já estava marcada a celebração de uma missa, e a pessoa
que havia solicitado esta missa não foi encontrada para remarcá-la para
outro
dia, e assim a ordenação não poderia acontecer
em nossa Igreja.
As irmãs do Hospital São
Vicente, na Rua do Matoso, emprestaram a capela, hoje Santuário da Medalha
Milagrosa, e assim às 10 horas do dia 18 de março de 1961 fui ordenado padre.
Estavam presentes os frades
Frei Sixto de Cássaro, Frei Jamaria de Sortino, Frei Gaspar de Módica, Frei
Geraldo de Sortino, Frei José de Santa Teresa, uma prima com a filha, que
moravam no Rio; e também a madrinha Cordélia que substituiu mamãe na cerimônia
de descobrir as mãos, e muitos paroquianos amigos. Em seguida houve um almoço
só para os mais próximos, no convento.
Com alguns pertences em uma
pasta de mão, no dia seguinte pela manhã parti com Frei Sixto no avião da
Nacional de volta a Itambacuri, desta vez para a primeira missa.
Para a época, a recepção foi
calorosa! Ao descer do avião, vislumbrei através da poeira provocada pelo
pouso, muita gente e muitos carros. Fiquei emocionado!
Na carreata até a Capela do
Sagrado Coração de Jesus, contavam-se uns 30 jipes que acompanhavam o único
automóvel pertencente a Dr. Firmato, no qual eu me encontrava.
Da capela
caminhamos até a matriz N. S. dos Anjos, onde celebrei minha primeira missa ás
10 horas da manhã de domingo, 19 de Março. Voltando ao Rio, não só encarei
aulas e trabalhos manuais, mas também
missas, batizados e casamentos.
O ano de 1961 passou rápido;
1962 chegou trazendo novidades: recebi autorização para atender confissões, fui
colocado como Capelão do Colégio Maria Raythe, e ingressei no curso de Pastoral
no Convento Santo Antônio no Largo da Carioca. Não me lembro qual o mês e nem
por quanto tempo, sei que foi uma experiência maravilhosa estar junto de Frei
Felix, irmão leigo de quase 90 anos e cego dos dois olhos. Dormia no mesmo
quarto ao lado dele cuidando da alimentação, do banho, dos medicamentos e da
limpeza do quarto.
Acordado, de dia ou de noite, frei Felix estava sempre
rezando. Era um religioso manso,
humilde, muito calmo e que parecia aceitar muito bem a cruz da cegueira;
aprendi muito com ele! Terminado o curso de Pastoral, fui transferido para
Itambacuri como Vigário Cooperador, juntando-me a Frei Sixto no atendimento às
comunidades do interior.
Chamado às pressas ao Rio, por
Frei Agatângelo, frei Sixto deixou Itambacuri para ser Pároco da Paróquia N. S.
das Graças, no Bairro Porto Velho, em São Gonçalo, RJ. Fiquei sozinho como
vigário, auxiliado por Frei Antonio (hoje, bispo).
No início de 1964 levei Frei
Boaventura ao Rio para tratar de um câncer na orelha. Ele ficou no Rio e eu me
hospedei com Frei Sixto em São Gonçalo, e foi por isto que não me encontrava em
Itambacuri quando Frei Agostinho foi preso por ocasião do início do golpe de
estado, em março de 1964.
Permanecendo em Itambacuri,
assumi como guardião e pároco de 1966 a 1968 o Convento e a paróquia N. S. dos
Anjos. No início de 1969 me transferiram para Conceição do Mato Dentro, MG,
substituindo Frei Agatângelo de Sortino nas funções de guardião e pároco.
Apesar de ele ter anunciado a
chegada de Frei Celestino, uma lei eclesial nos levara a readotar o nome de
batismo e, portanto, lá cheguei como Frei Dimas. 1972 me trouxe uma surpresa
agradável: fui escolhido para representar a Custódia na eleição do Provincial
de Siracusa, Itália, juntamente com o Custódio Frei Sixto. Fomos então para a
Europa, tendo conhecido a Itália e outros países, durante três meses.
Em 1974 fui escolhido para
fazer um curso de franciscanismo no CEFEPAL durante nove meses, em Petrópolis,
na Rua Monsenhor Bacelar. Voltando para Conceição do Mato Dentro no final de
novembro, fui transferido no início de 1975 para Petrópolis como Pároco da
Paróquia São Sebastião do Indaiá e guardião da nossa residência na Capela N. S.
Aparecida.
Repetindo o triênio em
Petrópolis, assumi também o encargo de diretor dos estudantes que lá se
preparavam para o sacerdócio, de 1979 a 1981. No carnaval de 1982, depois de duas
cirurgias por causa de uma apendicite não diagnosticada, passei 29 dias no CTI
do hospital da Providência, das irmãs Vicentinas.
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Da esquerda para a direita: frei Henrique, padre Lauro, frei Jair, frei Agostinho, frei Dimas e frei Roberto. |
Eleito Provincial, fui para o
Rio de Janeiro, onde fiquei de 1984 a 1986. Alguns meses depois voltei para
Conceição do Mato Dentro, onde em 1993 recebi a dolorosa incumbência de
preparar a Paróquia para ser devolvida à Diocese de Guanhães. Depois de tudo
resolvido, dia cinco de Fevereiro de 1995 deixei Conceição do Mato Dentro com o
coração partido, em direção ao Rio de Janeiro.
No Rio demorei pouco tempo, e
ainda em 1995 fui para São Gonçalo, RJ, Paróquia N. S. das Graças. De 1997 a 1999 novamente fiquei
em Petrópolis como diretor dos nossos estudantes de filosofia e teologia. Do
final de 1999 até 2002 permaneci em
Niteról como Pároco da Paróquia de Santo Cristo dos Milagres.
No ano 2000, pedi e me foi
concedido fazer a experiência de Assis dirigida pela Família Franciscana,
ex-CEFEPAL, durante um mês, em Assis e nos lugares onde Francisco esteve; no
final do curso, fui à terra Santa.
Quando foi eleito Provincial em
2003, Frei João Carlos me transferiu para Itambacuri como provedor do Santuário
N. S. dos Anjos e administrador da fazenda. Lá permaneci em 2004 e 2005. De
2006 a 2007 trabalhei em Teresópolis, RJ.
Em 2008 fui transferido para o
Rio, mas logo em seguida a Ordem me mandou para Niterói, onde me encontro até
hoje.
Celebrar é reviver, e foi assim
que vivi esses últimos meses voltando ao passado e revivendo as etapas desses
50 anos, revigorando o meu SIM.
Como começou minha vocação? Não
sei quando foi, como foi, e porque foi. Sei que, no avançar da caminhada, o
horizonte longínquo foi se aproximando, e a resposta “quero” da pergunta você
quer ir para o seminário?, encontrou terreno fértil onde pôde germinar, florescer
e produzir bons frutos até os dias de hoje.
“Me chamastes para caminhar na
vida Convosco”, não porque eu mereço, mas porque Vós quereis.” E porque Sua graça nunca falta
para aquele que escuta seu chamado, “Decidi para sempre segui-lo, e não voltar
atrás”.
Segui-Lo é caminhar no seu
passo e no seu compasso, e não ficar na montanha olhando para o alto e
contemplando-o transfigurado, junto a
Moisés e Elias, mas é descer para a planície e socorrê-lo na pessoa do irmão necessitado
ou aliviá-lo na “Criação que geme em dores de parto”.
Não posso esquecer que Jesus
também sofreu pela fidelidade à vocação, para a qual o Pai O havia chamado.
Isto tem me ajudado muito, no meu levantar quando cair; humilhar-me quando o
orgulho me domina; pedir perdão quando ofendo.
A responsabilidade de Jesus em
cumprir a missão de pregar a doutrina do amor num meio adverso até levou-o a
ser morto como um malfeitor. Ele me ensina que a felicidade verdadeira está em
carregar a cruz com constância, humildade e amor. Daí o convite para deixar a
montanha e descer para a planície da vida diária.
Aqui não só a cruz das minhas
necessidades e fragilidades é pesada e me angustia como também os sofrimentos
dos irmãos sem voz e sem vez. Esta é a cruz mais pesada! Foi ela que provocou
as três quedas de Jesus no caminho do Calvário e o levou à morte.
Foi ela que o
levou a gritar do alto da cruz: Pai, se possível, afasta de mim este cálice! É
ela que nos leva a fugir para a montanha, porque é penoso, estressante, e causa
revolta conviver com ela na planície.
É doloroso querer mudar o que
não se consegue; salvar o que
aparentemente está perdido. Ser discípulo é trilhar os caminhos do
Mestre, e é isto que busco há 50 anos. Obrigado Senhor porque és meu
amigo, e nenhum caminho é longo demais, quando um amigo nos acompanha; por isso
estou aqui.
Frei
Dimas de Castro Neves.