"A história é a filosofia inspirada nos exemplos."
Dionísio de Halicarnasso

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

José Gregório Marques

José Gregório Marques foi um advogado e juiz federal nascido em Itambacuri, no dia 1 de junho de 1937. 

Em sua cidade natal, era conhecido pelo apelido “Piúca”. Seus pais eram José Marques de Oliveira e Maria Clotilde Nogueira. 

Era casado com Maria Teresa Moreno Marques e juntos tiveram três filhos.

Morou em Itambacuri até o término do ensino fundamental. Entrou para o seminário da Ordem dos Capuchinhos a 16 de fevereiro de 1948, em Santa Teresa. 


Posteriormente seguiu para Taubaté – SP, onde os estudos de formação sacerdotal com o nome de noviciado tinham continuidade. Na época, era chamado de frei Mauro de Itambacuri.

Piúca não chegou a ser ordenado padre. Pediu dispensa de votos (liberação do seminário) no dia 26 de setembro de 1955. Deixou o seminário a 15 de dezembro do mesmo ano e mudou-se para Belo Horizonte, onde fez curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

Enquanto cursava a faculdade trabalhou no Hotel Normandy - entre abril de 1956 e agosto de 1958. Depois, trabalhou no setor de vendas da empresa Olivetti. Após a formatura voltou para Itambacuri, onde morou por um breve período. 

Piúca (o primeiro do lado direito) entre colegas.
 Retornou para Belo Horizonte com o intuito de prestar concurso para o Ministério Público. Alguns de seus colegas da UFMG também tiveram projeção na carreira jurídica. Um deles é Sepúlveda Pertence, ex-presidente do STF.

José Gregório Marques tomou posse como promotor público em 1962. Foi também professor na Fundação Educacional Monsenhor Messias, em Sete Lagoas. 

Casou-se com Maria Teresa Moreno Marques em 1963, ano em que foi transferido para Areado, que na época era distrito de Alfenas. Em 1964 nasceu seu primeiro filho: Marco Túlio.

Já em 1969 foi transferido para Congonhas, mas morava em Belo Horizonte. Nesse mesmo ano nasceu seu segundo filho: Marcus Vinicius. Em 1972 nasceu a filha caçula Cláudia, em Belo Horizonte.

Em 1975 prestou concurso para juiz federal e passou em segundo lugar, posição que lhe permitiu optar por assumir o cargo em Belo Horizonte. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro em 1976. Trabalhou como juiz federal criminal substituto na 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro e como titular na 7ª.

Aposentou-se no ano de 1982. Enquanto foi juiz federal, substituiu juízes nas cidades de Manaus e Florianópolis. 

Após a aposentadoria, decorrido o período de quarentena exigido por lei, passou a trabalhar como advogado e se especializou em Direito Administrativo. Abriu então um escritório de advocacia junto com sua esposa, Maria Teresa, no Rio de Janeiro.

Seus dois filhos mais velhos também se formaram em Direito e foram trabalhar com o pai. Os filhos ajudaram a ampliar as atividades do escritório Marques de Oliveira Advogados Associados para outras áreas do Direito.  Já a filha, Cláudia, é formada em odontologia.

Piúca era famoso por seu jeito alegre de ser. Era um piadista inteligente e brincalhão, muito querido pelos parentes, amigos e colegas de trabalho. Ele adorava contar casos sobre sua infância e tinha o costume de “aumentar um pouquinho” para tornar a estória mais interessante.

Gostava muito de viajar, principalmente para Paris e cidades do interior da França. Admirava vinhos. Era fã de futebol e torcedor do Botafogo.  Algumas de suas atividades favoritas eram contar casos e jogar baralho.

José Gregório Marques, o Piúca, ou o Greg, faleceu em 31 de maio de 2009, junto com sua esposa, vítimas do acidente aéreo do vôo 447 da companhia Air France. Piúca e Teresa deixaram três filhos e quatro netos.

A seguir, registra-se um “causo” escrito por ele, narrando algumas passagens de sua infância. 

Piúca, à direita, em frente ao frei Agostinho.
Nasci em Itambacuri - MG, cidadezinha do nordeste mineiro que, à época de minha infância, devia contar de 2.000 a 3.000 habitantes. 

Era uma cidade-comunidade, fundada por frades capuchinhos italianos em 1873, cujos sucessores ainda mantinham e, acho que mantêm, severa vigilância sobre os costumes dos itambacurienses que, atualmente, devem estar na casa dos 12.000. 

Todos na cidade têm apelido e somente são conhecidos pelo apelido - a ponto de nas lápides do cemitério constarem os nomes verdadeiros e os apelidos dos que ali estão enterrados, a fim de ser facilitada a identificação dos mesmos. Meu apelido é Piúca. Mais tarde, Dr. Piúca. 

Como já disse, minha memória era e é fabulosa. Aos 6 anos de idade sabia de cor todos os números das casas de  Itambacuri, de modo que, ao perambular pelas ruas da cidade, sempre era inquirido pelas pessoas, geralmente os mais velhos, em voz  alta, quase gritada: “Piúca, qual é o número da casa de Fulano? De Beltrano? E de Sicrano?” Sempre respondia com firmeza, às vezes depois de pensar um pouco, o número certo.

Confesso, agora, que as respostas não eram sempre produto só da memória privilegiada, mas também do meu raciocínio, pois os números das casas em Itambacuri seguiam a numeração normal de 1 em 1, sendo os  números  ímpares  para   as  casas  do lado esquerdo e  os  pares  para  as  casas  do lado direito, o que  me ajudava. 

Mesmo não me recordando exatamente do número da casa solicitado, podia memorizar   e  contar quantas casas faltavam a contar de uma das casas de pessoas importantes, cujo  número nunca me esquecia. 

Tal memória me proporcionou, no entanto, aos 7 anos de idade, a praticar minha  primeira “fraude intelectual” que chegou a balançar os alicerces da fé católica das  freiras do Colégio Santa Clara. 

Em 1944, quando contava apenas 6 anos e 6 meses de idade, fui impedido de  me matricular  no 1º ano primário  do Colégio Santa Clara  porque somente  os  maiores  de 7 anos  podiam fazê-lo. 

Foi necessária a intervenção de meus pais junto à Madre Superiora do Colégio, provando que eu já sabia ler e escrever, e que seria desperdício continuar sem estudar. 

Logo que as aulas se iniciaram fui colocado entre os alunos repetentes ou mais  adiantados, porque já sabia ler e escrever, o que me dava condições, caso fosse  possível, de iniciar meu curso primário pelo 2º ano. 

Em vista disso, como tinha muita facilidade para fazer os deveres de casa e para aprender tudo que nos era ensinado na classe, via em meus boletins uma quantidade  enorme  de 10, o que  fazia  com que meu pai, muito vaidoso e orgulhoso do sucesso  do filho, fingisse que não tinha caneta-tinteiro, ou qualquer outra caneta,  para assinar mensalmente os boletins.

Ele sempre se dirigia à farmácia próxima de nossa casa - lugar de bate-papo e de  reunião de muitos fazendeiros e desocupados - e pedia emprestada uma caneta para  assinar os boletins na presença de todos e melhor exibir as notas atinentes ao aproveitamento escolar do filho.

Desde que aprendi a ler, sempre gostei de livros, mesmo didáticos. No primeiro ano primário, depois dos livros de aprendizado de leitura “O Livro de Lili” e “A Bonequinha Preta”, dos  quais  fui dispensado  porque  já  sabia  ler  e  estava  entre  os  alunos  repetentes, havia  o livro de  leitura para o 1º ano adiantado  que  se  chamava “Primeiro Livro de  Leitura - Edições  Melhoramentos”.

Por volta do mês de outubro de 1944, de tanto ler e relatar todas as estórias de tal livro, sabia  de  cor  todas  elas, como também  me  recordava de todas as figuras e desenhos    que as ilustravam. 

Na sala de aulas do 1º ano também eram dadas pela manhã as aulas para o terceiro ano ginasial. Uma aluna esqueceu dentro da carteira em que eu me assentava o livro de  leitura em francês, que  nada  mais  era do que o Premier Livre de Lecture – Edições  Melhoramentos, que continha todas as leituras e estórias de seu homônimo em português. 

Durante a aula, que era dada por uma das estagiárias formadas naquele ano, fui apanhado folheando sorrateiramente o livro em francês. Lembro-me que em uma das  páginas abertas do livro a leitura era “Le Cheval Blanc”, cuja gravura coincidia com a  leitura de “O Cavalo Branco”. Deduzi: a gravura é a mesma da lição “O Cavalo Branco”, portanto “le cheval” deve  ser  “cavalo” e “blanc” deve ser branco. 

Continuei a folhear o livro e realmente verifiquei que as figuras eram idênticas ao livro em português e que, portanto, todos os textos deveriam significar o mesmo em francês. Naquele momento fui flagrado pela professora-formanda, que me repreendeu:
- Pirralho, isso é francês e você  vai demorar  muito para  saber  o que  está  escrito  aí!
Respondi:
- Sei tudo isso que está escrito nesse livro! Imediatamente abri uma página e comecei desde o início da lição fingindo que traduzia, quando na realidade estava apenas declamando a lição em português  que, como já  disse, sabia  de cor.

A professora entrou em pânico em vista da facilidade da tradução. Chamou a freira, professora efetiva que estava na classe analisando a aula da formanda, relatando-lhe o ocorrido. Pensou que traduzi a leitura melhor do que as duas professoras. 

Fui levado para fora da classe com o livro e encaminhado à Irmã, que era a professora de francês no Colégio. Nem é preciso dizer: “traduzi” várias lições do livro, escolhidas a esmo, mas sempre começando do início, pois se me perguntassem no meio da leitura, talvez me enganasse por não saber em que parte da leitura a versão em português correspondia. 

Nos idos de 40 havia uma pequena usina hidroelétrica, cujo reservatório ficava fechado durante todo o dia para poder proporcionar luz elétrica no horário de 18 às 22 horas, pelo que não havia cinema, mas somente se  poderia divertir ouvindo as poucas estações  de  rádio  que  chegavam até  lá. 

Na minha casa havia um rádio. Tal condição de conforto e bem-estar fazia com que, por volta das 18 horas, muitos ouvintes apareciam, sem qualquer convite, para ouvirem as novelas da Rádio Nacional. Algumas de aventuras como “O Vingador”, outras de terror ou mesmo de romances que, mais tarde, se transformaram em novelas passadas na TV. 
Meu pai se orgulhava de ser proprietário do rádio Phillips holandês, que dizia ser da mais alta potência, aliás, não tão alta como a de seu proprietário, pai de 15 filhos - 12 homens e 3 mulheres.

Minha mãe era professora primária e também dava aulas particulares na parte da tarde, em nossa casa, para aqueles alunos que não conseguiam estudar sozinhos e que tinham mães que não tinham tempo de ajudar seus filhos a fazerem os deveres escolares, ou os “para-casa”, por absoluta falta de tempo, tendo em vista que  todas as famílias eram muito numerosas a ponto de se dizer que “em Itambacuri quem tem até 8 filhos é considerado solteiro”. 

Aos 5 anos comecei a me interessar em aprender a ler soletrando palavras nos jornais  ou revistas que apareciam lá em casa, o que levou minha mãe a sugerir quase "manu militari" que eu ficasse junto com seus alunos particulares aprendendo a ler, a escrever e  mesmo a fazer contas. Foi talvez uma das melhores e mais eficientes idéias de minha mãe, pois aos 6 anos já sabia ler, escrever e fazer contas, inclusive de multiplicar e de dividir. 

Na época, tinha uma memória prodigiosa e invejável a ponto de saber de cor os números  de todas as casas da cidade, o que levava as pessoas mais velhas a profetizarem: “esse menino ainda vai longe!”. Realmente fui. 

Fontes

- Informações prestadas por Marcus Vinicius Moreno Marques de Oliveira;
- Livro Missionários Capuchinhos nas antigas Catequeses Indígenas e nas sedes de Rio de Janeiro, Espírito Santo e Leste de Minas (1840 - 1997), de frei Serafim J. Pereira. Cúria Provincial dos Capuchinhos do Rio de Janeiro, 1998. Página 632.

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